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30/05/2019 às 00h38min - Atualizada em 30/05/2019 às 00h38min

Revogar Estação Tamoios exige ato do Congresso, e mudança via decreto será inconstitucional, dizem juristas

Estação Ecológica de Tamoios, onde Bolsonaro foi multado por pesca ilegal em 2012, foi criada por decreto presidencial em 1990, mas só pode ser revogada por lei federal aprovada no Congresso.

- Fonte: G1 AL
Golfinhos nadam na região da Esec de Tamoios, em Angra — Foto: Reprodução/TV Globo
 
 
 
O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender, em evento na última terça-feira (28), que a Estação Ecológica de Tamoios (Esec Tamoios), na região de Angra dos Reis, seja transformada em "uma nova Cancún". Atualmente, a área é considerada de preservação integral, mas o modelo pretendido pelo presidente é o do balneário mexicano ocupado por grandes construções, hotéis gigantescos e um turismo de multidões.

Bolsonaro mais uma vez afirmou que a mudança depende de um decreto presidencial que revoga a criação da reserva mas, dessa vez, disse ter sido alertado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que a mudança "talvez fosse inconstitucional". Sem dar detalhes, Bolsonaro sugeriu ainda que a revogação ficaria a cargo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

"Se eu posso revogar uma lei, por que não posso revogar um decreto? Bem, a sorte está lançada", disse o presidente.

 

Criada por um decreto presidencial em 1990, durante o governo de José Sarney, a Esec Tamoios não pode ser extinta por um novo decreto, de acordo com juristas ouvidos pelo G1. A Constituição determina que qualquer mudança nos limites de uma unidade de conservação federal precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo os especialistas, um decreto que revogue a criação da reserva seria inconstitucional.

A estação ecológica é a mesma onde, em 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ao ser flagrado pescando num barco em área protegida. Em dezembro do ano passado, a multa foi anulada e, em 2019, o servidor responsável pela fiscalização foi exonerado.


 

Discurso de Bolsonaro

 

A nova declaração de Bolsonaro sobre a Esec Tamoios ocorreu durante o discurso de lançamento da Frente Parlamentar Mista da Marinha Mercante, no Clube Naval, em Brasília, na terça (28). No evento, o presidente destacou o potencial da região da Baía de Angra dos Reis e manifestou o desejo de revogar o decreto que demarcou a estação ecológica.


"Nós podemos ser protagonistas e fazer com que a Baía de Angra seja uma nova Cancún. Temos um potencial enorme ali. Do que nós dependemos pra começar a tirar esse sonho do papel? De uma caneta BIC. Revogando um decreto. O decreto que demarcou a Estação Ecológica de Tamoios", disse Bolsonaro.


O presidente, no entanto, admite que a medida poderia ser considerada inconstitucional.
 

"Me disse outro dia o Ricardo Salles que tem que tomar cuidado quando fala isso no tocante à legislação ambiental, que levando-se em conta o retrocesso, talvez fosse inconstitucional um decreto revogar outro decreto", disse Jair Bolsonaro.

 

Bolsonaro declarou ainda que a decisão ficaria a cargo do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que também estava presente no evento onde foi feito o discurso.


"Passamos pelo meu prezado Dias Toffoli [presidente do STF] decidir essa questão. Se eu posso revogar uma lei, por que não posso revogar um decreto? Bem, a sorte está lançada. Baía de Angra, se Deus quiser, atingiremos nosso objetivo", concluiu.

 

Mudanças em UCs precisam passar pelo Congresso

 

Segundo três advogadas especialistas em direito ambiental consultados pelo G1, qualquer mudança nos limites de uma unidade de conservação federal precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.
 

“Uma unidade de conservação federal como essa de Angra dos Reis só pode ser extinta ou ter seus limites alterados por uma lei federal, aprovada no Congresso Nacional", explica Erika Bechara, professora de direito ambiental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

“A Constituição Federal protege essas unidades para impedir que elas sejam revogadas a cada mudança de governo", explica Erika Bechara, professora de direito ambiental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).


O artigo 225 da Constituição diz que é dever do poder público "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção" (parágrafo 1º, inciso 3º).


“Não há maior controvérsia, porque o artigo 225, parágrafo 1, inciso 3 da Constituição exige lei formal para qualquer alteração na demarcação das unidades de proteção ambiental e também para sua supressão. De maneira que, ainda que haja uma vontade política do presidente da República no sentido de acabar com uma estação ecológica de proteção, essa vontade tem que ser submetida a deliberação do Congresso Nacional para que, pelo processo legislativo, ela se torne lei”, explicou Gustavo Binenbojm, doutor em direito público pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Segundo Glaucia Savin, presidente da comissão de meio ambiente da OAB-SP, a lei precisa passar pelo Congresso Nacional porque o patrimônio ambiental das unidades de conservação pertence ao povo, e não ao Estado.


"É preciso uma lei porque a Constituição pede o crivo do Parlamento, assim a sociedade pode opinar sobre a perda desse um patrimônio ambiental", explica Savin. "Esse patrimônio não pertence ao Estado brasileiro, ele pertence à população, então por isso é preciso submeter essa decisão aos representantes do povo."
 

"Por que existe esse dispositivo da Constituição? Justamente para evitar que qualquer ato possa destruir a proteção que foi criada anteriormente", explica Glaucia Savin, da OAB-SP.

 

Para Ana Maria Nusdeo, professora de direito ambiental da Universidade de São Paulo (USP), é consensual a interpretação de que é necessária uma lei federal para a extinguir unidades de conservação.


"Algumas interpretações constitucionais exigem um esforço interpretativo mas, no caso dessa regra, como a Constituição é bem clara, trata-se de uma regra literal, com avaliação bastante consensual."


“O direito comporta algumas zonas de penumbras, de incertezas, mas nessa matéria, estamos diante de uma questão de clareza cristalina”, afirma Gustavo Binenbojm.

 

Questionamentos

 

Se Bolsonaro publicar um decreto que revoga a criação da Esec Tamoios, sua decisão poderia ser questionada judicialmente por partidos políticos, com ação no STF, e também por cidadãos, na Justiça comum.


“Se houver a revogação de uma unidade de conservação por decreto, a Justiça pode declarar esse decreto nulo ou inconstitucional. O Poder Judiciário tem justamente o papel de controlar a legalidade dos atos feitos pelo Executivo”, explica Bechara, da PUC-SP.


No caso de um questionamento feito ao STF, a decisão não ficaria a cargo de Dias Toffoli, como argumenta Bolsonaro.


"Se o presidente realmente publicar esse decreto, qualquer partido pode entrar no mesmo dia com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF e aí essa ação seria distribuída por sorteio para um dos ministros", explica Rubens Glezer, professor de direito constitucional na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

O professor destaca ainda que é muito provável que a ação seja questionada pela oposição no STF.
 

"Se há uma certeza é que essa ação não iria parar nas mãos de Dias Toffoli, porque ele fica fora do rodízio, por ser hoje o presidente do tribunal", destaca Rubens Glezer, da FGV.


"Esse questionamento vai acontecer sem dúvida. Todas as medidas polêmicas do Executivo tendem a ser questionadas pelos vencidos no STF. Essa é uma tendência constante e crescente", explica Glezer.


Criada pelo decreto nº 98.864, de 23 de janeiro de 1990, a Estação Ecológica de Tamoios é uma das 333 unidades de conservação federal que não foi criada por lei, mas por ato do Poder Executivo. Apenas 3 unidades foram instituídas por lei federal, segundo levantamento de 2018 feito pela ONG WWF Brasil.
 

 


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