Um estudo publicado neste mês (18), na revista Science, trouxe para as mídias sociais um assunto que desperta há muito tempo várias discussões entre os geólogos: a reversão do campo magnético terrestre, fenômeno em que o norte e o sul magnéticos do planeta são intercambiados.
Além de ser uma matéria propícia para discussões científicas, a chamada inversão geomagnética causa curiosidade, apreensão e medo entre muitas pessoas, uma vez que, durante o período de cerca de mil anos em que o campo magnético da Terra se reverte, ele se torna mais fraco que o normal, expondo o planeta e seus habitantes à radiação cósmica solar com perigosas consequências para a vida humana.
De acordo com o estudo, a última reversão magnética ocorreu há 42 mil anos, gerando consequência dramáticas: a camada de ozônio foi destruída, tempestades elétricas varreram os trópicos, ventos solares causaram auroras boreais, o ar ártico invadiu a América do Norte, as geleiras aumentaram de tamanho e os padrões climáticos mudaram drasticamente.
Por definição, sabemos que o polo norte magnético é aquele ponto para onde a bússola aponta. Porém, isso não significa que ele seja um “lugar” fixo no polo norte geográfico, aquele eixo imaginário em torno do qual a Terra gira. O polo magnético, na verdade, oscila perto dessa região, e essas oscilações ocorrem ao longo do tempo devido aos movimentos dentro do núcleo do planeta.
A camada interna terrestre é constituída de metal quente e derretido em torno de um núcleo de ferro que, ao se movimentar constantemente, gera eletricidade, e esta produz as linhas de campo magnético que se curvam em torno do planeta, formando uma verdadeira “barreira” chamada de magnetosfera terrestre.
Por motivos ainda não inteiramente conhecidos pela ciência, essas oscilações ocorridas nos polos magnéticas são algumas vezes mais extremas do que uma simples flutuação, e é justamente uma dessas dispersões mais dramáticas a que foi descrita na nova pesquisa: o chamado evento Laschamps.
O Laschamps é também chamado de excursão geomagnética porque é uma reversão curta do campo magnético da Terra. É a primeira ocorrência do tipo conhecida e continua sendo a mais estudada. Mas não havia ainda nenhuma evidência de que essa reversão teve algum impacto no clima e na vida do planeta, o que foi confirmado agora pela nova pesquisa.
As árvores kauri da Nova Zelândia
Para investigar as mudanças climáticas e biológicas, os pesquisadores utilizaram os anéis de crescimento das árvores kauri da Nova Zelândia, que foram preservadas em turfeiras e outros sedimentos por mais de 40 mil anos. Dessa forma, foram cortadas secções transversais para observação das mudanças nos níveis de carbono 14.
As árvores revelaram um aumento prolongado nos níveis desse isótopo atmosférico, que pode ter sido causado pela depleção do campo magnético da Terra quando os polos mudaram. Os registros das árvores permitiram conexões precisas da miríade de registros dispersos geograficamente.
Criando uma escala de tempo, foi possível aos pesquisadores provar que cinturões de chuva do Pacífico tropical e ventos ocidentais do Oceano Antártico mudaram de forma súbita, resultando em paisagens áridas na Austrália. Com isso, uma megafauna, composta de cangurus gigantes e wombatídeos, foi completamente extinta, ao mesmo tempo que os neandertais europeus sucumbiam no frio das geleiras.
Após o levantamento das mudanças climáticas, os autores do estudo utilizaram modelos computadorizados para testar as causas de todas essas alterações em escala global. A descoberta foi que a intensidade do campo magnético da Terra caiu para menos de 6% da atual. Talvez a agulha de uma bússola nem girasse naquela época.
Desprovido de um campo magnético protetor, o planeta perdeu totalmente o seu escudo eficaz contra a radiação cósmica, e milhares de partículas ionizantes penetram na parte superior da atmosfera, danificando seriamente a camada de ozônio, o que possibilitou a entrada dos perigosos raios ultravioleta.
Para completar o quadro apocalíptico, o Sol experimentou nesse período diversos “grandes mínimos solares”, fenômeno que, se por um lado diminui a radiação UV, por outro provoca inúmeras explosões massivas, as chamadas erupções solares, que liberam altos níveis de radiação e partículas a altíssimas velocidades.
A pesquisa concluiu que o altíssimo nível de radiação ultravioleta na atmosfera pode ter levado os primeiros humanos a se abrigar em cavernas, o que pode explicar em parte a explosão repentina de arte rupestre em todo o mundo há 42 mil anos. Deve ter sido um isolamento social sem precedentes na história do planeta.