ATENÇÃO: esse texto pode trazer conteúdos sensíveis por abordar um caso real.
Em 20 de maio de 1991, o SBT lançou o telejornal Aqui Agora com o intuito de popularizar a linguagem do jornalismo, dando aos telespectadores informação e entretenimento, com repórteres correndo com a polícia atrás de bandidos e matérias recheadas de um sensacionalismo melodramático que causava um clamor popular. O programa era o inverso do TJ Brasil, apresentado pelo notório Boris Casoy, e também do Jornal Nacional da Rede Globo, o que na época causou um alarde na corrida por audiência.
Foi assim que nasceu o primeiro tipo de telejornal conhecido como “pinga sangue”, cujo único intuito é se autopromover como um tipo de “justiceiro da Segurança Pública”, e apresentar “o que acontecia no Brasil”, como o drama das famílias das vítimas que era explorado até a última gota pelas perguntas invasivas e retóricas dos repórteres. Informar, no final das contas, se tornou a última das preocupações.
Com nomes que se tornaram famosos, como Ivo Morganti, Christina Rocha, Patrícia Godoy, Adilson Maguila Rodrigues, Celso Russomanno e Roberto Cabrini, o noticiário baseado no telejornal argentino Nueve Diario se tornou um sucesso instantâneo, com seus picos de audiência contaminado as demais atrações do SBT. Em 1993, o sucesso dividiu o telejornal em duas edições, com a primeira parte sendo exibida às 18h30, e a segunda entrando no ar às 19h45, tendo o jornal do Boris Casoy entre os dois.
E apesar de todos os nomes de peso que compunham o time do noticiário, nada superava o ícone do rádio popular, Gil Gomes, que cobria o perturbador quadro policial com sua voz marcante e comportamento irreverente, considerado mais “chulo” e também muito mais próximo da “linguagem cotidiana”. Ele era o que “todos os brasileiros pensavam” das situações, com a agressividade e revolta necessária, e por isso se tornou tão adorado.
Por incrível que pareça, no mesmo ano em que o Aqui Agora atingiu seu ápice de popularidade, foi o mesmo em que se iniciou um debate sobre os limites do jornalismo e como a invasão do sensacionalismo em casos policiais e nas vidas das pessoas poderia simplesmente destruí-las.
Em 5 de julho de 1993, a equipe de reportagem do SBT, que tinha rádios sintonizados na mesma frequência que os das corporações da Defesa Civil, ouviu um chamado para que o Corpo de Bombeiros se encaminhasse para o centro da capital de São Paulo para uma ocorrência de uma jovem que estava sentada a 25 metros do chão na beirada do topo de um edifício residencial.
O repórter Sérgio Frias com o cinegrafista José Meraio chegaram ao local às 11h daquele dia, praticamente com a equipe dos socorristas.
Longe do chão, Daniele Alves Lopes, então com 16 anos, estava obstinada em pular para a sua morte.
Por aproximadamente 15 minutos, a jovem ficou encarando lá do alto a lente do Aqui Agora, totalmente alheia aos esforços dos bombeiros. E então, ela simplesmente pulou do 7º andar diante de todos, e a câmera acompanhou toda a trajetória de seu corpo sendo atraído pela gravidade até a pancada dilacerante no chão de concreto. “Ela pulou, ai meu Deus”, foi tudo o que Sérgio Frias foi capaz de falar.
Com o óbito declarado na ambulância a caminho do hospital, a jovem recepcionista Daniele Alves Lopes não deixou nenhum bilhete de despedida, porém sua amiga Vânia Maria Duarte de Oliveira (15), em entrevista à Folha de São Paulo, relatou que ela sofria há 3 anos por um amor que não era correspondido, e que a dor seria o único motivo para que ela decidisse colocar um ponto final em tudo.
Às 20h30 daquele mesmo dia, o Aqui Agora entrou no ar após anunciar durante toda a primeira edição que possuía um caso dramático e horrendo para apresentar. O programa exibiu sem censura alguma o suicídio de Daniele, mostrando até o seu corpo quase sem vida no chão, elevando a audiência do programa em 33,5%, de acordo com o Ibope. A matéria de 10 minutos alcançou 20 pontos na Grande São Paulo, o equivalente a 800 mil domicílios sintonizados, em contraste com os 15 pontos que normalmente o noticiário fazia.
Apesar do evidente “sucesso”, a postura do telejornal foi extremamente condenada por outros jornais e especialistas. Maria Baccega, então professora da Escola de Comunicações da USP, declarou à Folha que o programa fez foi tornar algo sério como uma mórbida atração. “O SBT misturou realidade com ficção. Agora não sabemos se a menina se suicidou porque queria morrer ou por iria sair na televisão”, declarou a professora.
Essa pressão midiática e o medo do vexame após a documentação de seu caso, também foi contestado pelo psicanalista Jurandir Freire Costa. “O Aqui Agora trabalha com dissimulação”, afirmou o profissional. “Eles se apresentam cheios de bons sentimentos, se horrorizam com o público, mas são abutres”.
Marcos Wilson, o então diretor de jornalismo do SBT, disse que captar o suicídio de Daniele não passou de “um flagrante da cidade”. “Nós tivemos a preocupação de avisar ao telespectador que as imagens eram fortes, pedimos para que as crianças não assistissem e mostramos que o suicídio nunca é a saída”, alegou Wilson. Ele reafirmou que não houve abuso jornalístico e que a exibição foi uma decisão editorial.
O Aqui Agora foi enfraquecido com o processo de 1 milhão de reais por danos morais que o SBT recebeu dos advogados dos pais de Daniele Alves, em setembro de 1994. No entanto, isso não parou a jornada dos noticiários “pinga sangue”.