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02/10/2019 às 09h58min - Atualizada em 02/10/2019 às 09h58min

Há muitos abusos, e nova lei é adequada, diz presidente de instituto de advogados

Para Hugo Leonardo, Supremo não deve ouvir a voz das ruas e pacote de Moro vai gerar caos penitenciário

Folha de S. Paulo
Foto: Reprodução
Criticada por integrantes do Ministério Público, do Judiciário e da polícia, a recém-aprovada lei para coibir o abuso de autoridade recebe elogios do advogado criminalista Hugo Leonardo, 38, novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa de Direito de Defesa).  

Para ele, o argumento de que se trata de uma reação à Operação Lava Jato é falso. "A Lava Jato ocupa um papel muito limitado perto da grandeza que é a malha penal", diz ele, citando o fato de que a lei será um instrumento contra a violência policial e abusos de agentes estatais.

Pelo próximos três anos, Leonardo estará à frente de uma instituição criada há 20 anos por grandes nomes do direito como Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias e Arnaldo Malheiros Filho, com o objetivo de garantir acesso à defesa de qualidade no país.

Hoje com 300 integrantes, entre eles a nata da advocacia criminal do país, o IDDD se tornou um influente grupo de pressão contra  o que é visto coo a cultura punitivista no país.

Nessa entrevista, Leonardo também diz que o Supremo não deve ouvir a voz das ruas, defende um direito penal restrito e afirma que o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) trará o caos penitenciário.

Qual sua avaliação da nova lei sobre abuso de autoridade? Temos uma crítica muito grande sobre o aumento dos tipos penais. No entanto, a lei era muito antiga, incipiente para a complexidade do sistema de Justiça criminal que temos hoje e precisava de reformulação. A lei aprovada é boa, tecnicamente adequada, com tipos penais fechados, penas proprocionais e atende a uma demanda recorrente. Nós temos muito abusos. Temos uma polícia muitas vezes violenta, agentes estatais que cometem abusos.

Há uma avaliação de que ela é parte de um movimento contra a Lava Jato. Qual sua opinião? A Lava Jato ocupa um papel muito limitado perto da grandeza que é a malha penal. Vivemos uma época de fetichismo do direito penal. Essa espetacularização dos crimes, das operações policiais, discursos de governantes por um recrudescimento penal irrespnsável, tudo isso insufla as pessoas a debater o assunto de forma não-técnica.

Hoje, o direito penal é a principal ferramenta de exclusão social no país. Só opera quando o tecido social já se esgarçou. Temos que ter um direito penal reduzido, mínimo. Um país com direito penal menor é um país com mais civilidade.

Qual sua avaliação da Lava Jato? É preciso correção de rota? A Lava Jato imprimiu um trabalho muito adequado, muito bom. Agiu de forma célere, descobriu situações que o Estado deveria coibir. Isso é inegável. Mas como todo processo criminal, é natural que haja correção de rumo. É natural tribunais ajustarem decisões, é a que traz decisões com qualidade.

Quais serão os temas prioritários da sua gestão no IDDD? O primeiro é a gente contribuir para que o processo penal no Brasil opere de forma mais transparente. Para que as provas sejam colhidas de forma lícita, que a polícia trabalhe nos trilhos da legalidade. E o segundo ponto passa por comunicar o que significa a Justiça criminal. Ficarei satisfeito se daqui a três anos estivermos aqui fazendo um diagnóstico de que  as pessoas não estão utilizando o direito penal para insuflar a cisão social.

O IDDD é contra a prisão após julgamento pela segunda instância. O cidadão acusado de um crime, condenado por um juiz que analisou as provas e depois por um colegiado, não está com sua culpa estabelicida? Por que não prendê-lo? O IDDD defende o que está na Constituição. O uso da prisão no Brasil é absolutamente ilegal e inscontitucional. Vivemos uma cultura punivista, em que a prisão é a regra. Se fôssemos um país que respeitasse as leis, a Constituição e as decisões dos tribunais superiores, teríamos maior possibilidade de garantir que uma decisão tomada em graus mais baixos afirmaria a culpa de um sujeito. O problema é que os tribunais não respeitam nem súmulas vinculantes. Quem paga um dia de prisão indevidamente? Como se repara um mês, seis meses, um ano de prisão injusto?

Uma crítica comum de procuradores é que advogados preferem procurar nulidades processuais a defender o cliente no mérito. Ela é válida? A forma eficaz de resolver esse problema é não cometer erros. É só cumprir a lei. Tratar um processo como se deve e respeitar garantias individuais. Se isso ocorrer, nenhum tribunal superior conseguirá colocar reparo. Não é um problema dos advogados, é das autoridades que têm as suas decisões reformadas. Elas precisam agir melhor.

O sr. vê os direitos fundamentais sob ameaça no governo Bolsonaro? Governos que tendem a discursos autoritários atacam em primeiro lugar direitos e garantias individuais Atacam aquilo que dá estabilidade democrática a um país, as leis vigentes e a Constituição. Quando temos governantes que entoam esse discurso, temos um recrusdescimento no debate parlamentar e social. Não é só aquilo que se implementa de política, é o discurso que os governantes dão ao guarda da esquina. Os números de violência policial, principalmente no Rio, sãoo assustadores.

Os advogados deveriam se colocar mais no debate político? Quando a dvocacia criminal começa a operar para além dos seus casos, preocupada com o discurso político radicalizado, é um mau sinal. É um sintoma de que as regras do jogo não estão sendo respeitadas. De um tempo para cá, e com os discursos de alguns governantes, isso se acirrou. Isso tem nos preocupado com sobremaneira.

O que o sr. acha do combate às fakes news? E como evitar que isso gere censura? Sou um defensor da liberdade de expressão em absoluto. Me parece que as redes sociais impuseram uma velocidade de difusão de informação com a qual o Estado brasileiro não está muito preparado para lidar.

Como o sr. viu o fato de o Supremo ter censurado um veículo, a revista Crusoé, com o argumento de que havia divulgado notícias falsas? É um caso que mostra que as intituições não estão funcionando muito bem. Houve investigação relativamente satisfatória a respeito desses ataques a autoridades, ou a quaisquer pessoas, inclusive jornalistas? Não houve. Mas a falha dessas instituições não pode gerar erros de outras autoridades.

Logo depois dos ataques ao Supremo em redes sociais, um grupo de advogados ofereceu um jantar em apoio ao ministro Dias Toffoli. Havia inclusive advogados com causas no Supremo. Não é um comportamento inadequado, que pde gerar conflito de interesse? Não foi um jantar em homenagem ao Toffoli, mas em apoio ao Supremo, guardião da Constituição. Hoje o presidente do STF é o ministro Dias Toffoli, amanhã será outro. É papel do Supremo tomar decisões contramajoritárias, decisões que não são populares. O Supremo só deve olhar para a Constituição e as leis. É mentira que o Supremo e os ministros devam ouvir a voz das ruas. Não é papel deles.

Como o sr. vê os diálogos vazados de Deltan e Moro? Houve comprometimento da postura do então juiz? A Lava Jato hoje tem muito interesse, mas a questão é maior. Fizemos uma pesquisa sobre audiência de custódia, prta de entrada do sistema de Justiça criminal. Quando o Ministério Público pede a decretação da prisão preventiva, em 85% das vezes é atendido. Quando a defesa pede liberdade provisória com cautelar, e 15% das vezes é atendida. Essas números mostram que não há paridade de armas no processo penal brasileiro.

Qual sua avaliação do pacote do Moro? Algo o agrada? Quase nada. É um pacote que não fala de melhorar a qualidade da investigação, que não fala que a polícias possam investigar melhor, que não foi debatido antes de ser apresentado. É um pacote que traz um recrudescimento penal, que só demonstra que vai haver um agravamento do caos penitenciário que nós vivemos e da violação aos direitos e garantias individuais.

RAIO-X

Nome: Hugo Leonardo
Idade: 38
Cargo atual: advogado criminal, presidente do IDDD
Formação: graduado em direito pelo Mackenzie em história pela USP, com pós-graduação em direito pensal pela FGV
Outras funções: membro do Conselho de Prerrogativas da OAB/SP, foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e produtor-executivo do documentário "Sem Pena"

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