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15/06/2019 às 22h59min - Atualizada em 15/06/2019 às 22h59min

Intercept: Moro sugeriu à Lava Jato emitir nota oficial contra defesa de Lula

Trecho liberado nessa sexta-feira (14) traz diálogo entre Sergio Moro e o então procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima

- Fonte: Gazetaweb, com Intercept
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
 

 

Um novo trecho divulgado pelo Intercept, nesta sexta-feira (14), mostra uma conversa entre o então juiz Sergio Moro e o então procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima. No diálogo, o ex-juiz pediu aos procuradores da Lava Jato uma nota à imprensa para rebater o que chamou de "showzinho" da defesa de Lula após o depoimento do ex-presidente no caso do triplex do Guarujá. O conteúdo faz parte do arquivo das mensagens secretas da Lava Jato.

De acordo com o Intercept, os procuradores acataram a sugestão do atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL). O episódio foi registrado no dia 10 de maio de 2017, quando Moro já presidia um processo criminal contra o ex-presidente no caso do "apartamento triplex do Guarujá". Eram 22h04 quando o então juiz federal enviou uma mensagem, pelo aplicativo Telegram, ao Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba.

 

"O que achou?", quis saber Moro. O juiz se referia ao depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo em que ele era acusado de receber como propina um apartamento triplex no Guarujá. Disponibilizado em vídeo, o embate entre o juiz e o político era o assunto do dia no país.

Seguiu-se o seguinte diálogo:

Santos Lima - 22:10 - Achei que ficou muito bom. Ele começou polarizando conosco, o que me deixou tranquilo. Ele cometeu muitas pequenas contradições e deixou de responder muita coisa, o que não é bem compreendido pela população. Você ter começado com o Triplex desmontou um pouco ele.

Moro - 22:11 - A comunicação é complicada pois a imprensa não é muito atenta a detalhes

Moro - 22:11 - E alguns esperam algo conclusivo

Além do depoimento, outro vídeo com Lula também foi divulgado e circulava nas redes sociais e nos telejornais naquele mesmo dia. Depois de sair do prédio da Justiça Federal, o ex-presidente se dirigiu à Praça Santos Andrade, em Curitiba, e fez um pronunciamento diante de uma multidão. Por 11 minutos, Lula atacou a Lava Jato, o Jornal Nacional e o então juiz Sergio Moro; disse que estava sendo "massacrado" e encerrou com uma frase que entraria para sua história judicial: "Eu estou vivo, e estou me preparando para voltar a ser candidato a presidente desse país". Era o lançamento informal de sua candidatura às eleições de 2018.

Um minuto depois da última mensagem, Moro mandou para o procurador Santos Lima:

Moro - 22:12 - Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele

Moro - 22:13 - Por que a Defesa já fez o showzinho dela.

Santos Lima - 22:13 - Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.

Santos Lima - 22:16 - Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua.

Moro, o juiz do caso, zombava do réu e de seus advogados enquanto fornecia instruções privadas para a Lava Jato sobre como se portar publicamente e controlar a narrativa na imprensa.

Dez minutos depois da conversa com o então juiz, Santos Lima abriu o grupo Análise de clipping, em que também estavam assessores de imprensa do MPF do Paraná. Ele estaria em Recife no dia seguinte em um congresso jurídico.

Santos Lima - 22:26:23 - Será que não dá para arranjar uma entrevista com alguém da Globo em Recife amanhã sobre a audiência de hoje?

Assessor 1 - 22:28:19 - Possível é, só não sei se vale a pena. E todos os jornalistas que estão aqui e já pediram entrevista?

Assessor 2 - 22:28:32 - Mas dr., qual o motivo?

Assessor 2 - 22:29:13 - Qual a necessidade, na realidade..

Santos Lima - 22:30:50 - Uma demanda apenas. Como está a repercussão da coletiva dos advogados?

Assessor 2 - 22:30:58 - Rito normal do processo?vcs nunca deram entrevista sobre audiência?vai servir pra defesa bater?mais uma vez?

Oito minutos depois, Santos Lima copiou a conversa que teve em seu chat privado com Moro - em que o juiz sugere a nota pública para apontar as contradições de Lula - e colou em outro chat privado, com o coordenador da Lava Jato no MPF, Deltan Dallagnol. Eram 22h38.

Àquele horário, os procuradores da força-tarefa discutiam em um chat chamado Filhos de Januário 1 se deveriam comentar publicamente o depoimento de Lula. Às 22h43, Santos Lima escreveu no grupo, dirigindo-se a Dallagnol: "Leia o que eu te mandei.". Ele se referia às mensagens que trocara com Moro. Três minutos depois, Dallagnol responderia em quatro postagens consecutivas no grupo:

Deltan - 22:46:46 - Então temos que avaliar os seguintes pontos: 1) trazer conforto para o juízo e assumir o protagonismo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco; 2) contrabalancear o show da defesa.

Deltan - 22:47:19 - Esses seriam porquês para avaliarmos, pq ng tem certeza.

Deltan - 22:47:50 - O "o quê" seria: apontar as contradições do depoimento.

Deltan - 22:49:18 - E o formato, concordo, teria que ser uma nota, para proteger e diminuir riscos. O JN vai explorar isso amanhã ainda. Se for para fazer, teríamos que trabalhar intensamente nisso durante o dia para soltar até lá por 16h

Foi a vez então de Dallagnol mandar uma mensagem ao grupo Análise de clipping, dos assessores de imprensa.

Deltan - 23:05:51 - Caros, mantenham avaliando a repercussão de hora em hora, sempre que possível, em especial verificando se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradições e evasivas. As razões para eventual manifestação são: a) contrabalancear as manifestações da defesa. Vejo com normalidade fazer isso. Nos outros casos não houve isso. b) tirar um pouco o foco do juiz que foi capa das revistas de modo inadequado.

De acordo com as informações divulgadas pelo Intercept, o assessor de imprensa estranhou o pedido e alertou que poderia ser um "tiro no pé".

Assessor 2 - 23:15:30 - Quem bate vai seguir batendo. Quem não bate vai perceber a mudanca de posicionamento e questionar. É uma parte do processo. Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão?e abrir brecha pra dizer que tão querendo influenciar juiz. Papel deles vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionamentos. Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente? E voltar o discurso de perseguição?é o que a defesa fez, faz?pq não tem como rebater a acusação. Acusação utilizar da mesma estratégia pode ser um tiro no pé.

Três minutos antes de mandar as mensagens ao grupo, Dallagnol havia escrito a Moro. Além de elogiá-lo pela condução da audiência, o procurador falou sobre a nota:

Deltan - 23:02:20 - Caro parabéns por ter mantido controle da audiência de modo sereno e respeitoso. Estamos avaliando eventual manifestação. A GN acabou de mostrar uma série de contradições e evasivas. Vamos acompanhar.

Moro - 23:16:49 - Blz. Tb tenho minhas dúvidas dá pertinência de manifestação, mas eh de se pensar pelas sulilezas envolvidas

O pedido de Moro para apontar as contradições da defesa de Lula seria discutido no chat Filhos do Januário 1 até o fim da noite e também na manhã do dia seguinte, 11 de maio. E, finalmente, atendido.

Os procuradores, acatando a sugestão de Moro, distribuíram uma nota à imprensa, repercutida por Folha de S. Paulo, Estadão, Jovem Pan e todos os principais veículos e agências do país. As notícias são centradas justamente na palavra desejada pelo juiz: "contradições".

Na nota, a força-tarefa expõe o que considera serem três contradições do depoimento de Lula e refuta diretamente uma alegação da defesa do petista, que os procuradores consideraram mentirosa.

Naquela noite, Dallagnol enviou uma mensagem a Moro para explicar por que não explorou a fundo as contradições do petista:

Deltan - 22:16:26 - Informo ainda que avaliamos desde ontem, ao longo de todo o dia, e entendemos, de modo unânime e com a ascom, que a imprensa estava cobrindo bem contradições e que nos manifestarmos sobre elas poderia ser pior. Passamos algumas relevantes para jornalistas. Decidimos fazer nota só sobre informação falsa, informando que nos manifestaremos sobre outras contradições nas alegações finais.


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