O hacker Walter Delgatti Neto disse nesta quinta-feira, 17, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) o ofereceu um indulto para que violasse medidas cautelares da Justiça e invadisse o sistema das urnas eletrônicas para expor supostas vulnerabilidade. Segundo Delgatti, a conversa com Bolsonaro aconteceu no Palácio da Alvorada e contou com a participação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e do coronel Marcelo Câmara.
“Sim, recebi (proposta de benefício). Inclusive, a ideia ali era eu receber um indulto do presidente. Ele havia concedido indulto ao deputado (Daniel Silveira) e, como eu estava investigado pela (operação) Spoofing, impedido de acessar a internet e trabalhar, eu estava visando esse indulto, que foi oferecido no dia”, disse Delgatti à relatora Eliziane Gama (PSD-MA).
Em outra ocasião, Zambelli teria mediado uma ligação de Delgatti com Bolsonaro. Na conversa, o ex-presidente teria dito que obteve um grampo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, mas que o hacker precisaria assumir a autoria do crime. “Nesse grampo teriam conversas comprometedoras do ministro e ele (Bolsonaro) precisava que eu assumisse esse grampo”, disse Delgatti.
Ainda segundo Delgatti, o suposto grampo de Moraes teria sido feito por uma pessoa que se encontrava fora do País. “A informação que eu tenho é que ele já estava grampeado. Já existia o grampo”, disse Delgatti. “Segundo ele (Bolsonaro), naquela data, havia um grampo concluído”, prosseguiu.
No rol das ilegalidades, Zambelli ainda teria pedido que Delgatti invadisse o e-mail de Moraes. Também teria partido da deputada o pedido para que ele invadisse os sistemas de órgãos do Poder Judiciário, o que culminou em sua prisão. “Fiquei por 4 meses na intranet (sistema interno de comunicação) da Justiça Brasileira, no CNJ e no TSE”, afirmou o hacker.
Delgatti está preso preventivamente no início de agosto na Operação 3FA da Polícia Federal (PF). Ele é investigado por suposta invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com inserção de documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Foram apresentados seis requerimentos para a convocação de Delgatti no colegiado.
Em sua fala inicial, Delgatti disse que foi procurado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) para que autenticasse “a lisura das urnas”. Ele ainda citou que a parlamentar mediou um encontro dele com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para discutir como seria feita a suposta autenticação do sistema de votação.
O hacker alegou ter aceitado a proposta de Zambelli porque estava “vulnerável” após deixar a prisão. “Eu estava desamparado, sem emprego, e ela ofereceu um emprego a mim. A recompensa por fazer o que fiz era um emprego”, disse à CPMI.
Delgatti disse que Zambelli e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, mediaram um encontro com o marqueteiro Duda Lima, que coordenou na campanha de Bolsonaro em 2022. Segundo o hacker, Lima propôs duas formas dele colaborar com a candidatura do ex-presidente: falar sobre possíveis vulnerabilidades das urnas em entrevistas a veículos de imprensa de esquerda ou acessar publicamente um dispositivo de votação no dia 7 de setembro do ano passado para “provar” que é possível que o voto de um candidato seja transferido para outro. As duas ideias foram descartadas porque a reunião com a cúpula da campanha bolsonarista foi divulgada pela imprensa.
O hacker ainda descreveu uma reunião realizada com Bolsonaro no Palácio da Alvorada para discutir a “lisura das eleições”. Segundo o hacker, Bolsonaro ordenou que o coronel Campos o levasse ao Ministério da Defesa para discutir os aspectos técnicos de suas propostas. “Isso é uma ordem minha”, teria dito Bolsonaro após Câmara dizer que era “complicado” tratar esse assunto com a Defesa. Delgatti disse ter ido ao menos cinco vezes à pasta.
Nessas conversas que teve com aliados de Bolsonaro, Delgatti teria sido sondado sobre a possibilidade de alterar o código fonte das urnas eletrônicas para mostrar que se a tecnologia dos dispositivos fosse alterada os votos dos eleitores poderiam ser manipulados. A relatora Eliziane questionou se essa manipulação seria feita em um “código fake” ou se a intenção era de acessar o código original do TSE. O hacker respondeu que a ideia era manipular um código paralelo, não oficial, somente para fins explicativos. A escolha de Delgatti para essa operação, segundo ele, tinha o objetivo de fazer com que as pessoas vissem um “técnico da esquerda” comprovando a possibilidade de fraude.
Convocação
Nos pedidos de convocação de Delgatti, os parlamentares afirmam que a oitiva do hacker visa a responder dúvidas sobre o envolvimento dele na “promoção dos atos criminosos contra a democracia e as instituições públicas brasileiras” e a relação com aqueles que “instigaram e financiaram os grupos e ações relacionados à trama golpista”.
Nas redes sociais, a deputada federal publicou em agosto uma foto de um encontro entre ela e o hacker no dia 28 de julho. Foto: Reprodução/Instagram/Carla Zambelli
O colegiado também quer entender qual é a relação do hacker com Zambelli, outro alvo da Operação 3FA. “A oitiva do Walter Delgatti Netto, conhecido como ‘hacker de Araraquara’, poderá auxiliar esta Comissão a esclarecer como a Deputada Carla Zambelli atuou de modo a questionar a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro nas eleições de 2022. O depoimento nos parece fundamental para a investigação dos fatos desta Comissão de Inquérito”, afirmou a relatora da CPMI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), no pedido de convocação apresentado.
A defesa Delgatti, conhecido como Vermelho, pediu salvo-conduto ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 16, para que ele possa ficar em silêncio na comissão. O pedido foi autorizado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão afirma que ele tem o direito de consultar os advogados durante o depoimento e pode decidir quais perguntas vai responder.
Segundo a PF, entre os dias 4 e 6 de janeiro deste ano, 11 alvarás de soltura foram indevidamente inseridos no Banco Nacional de Mandados de Prisão, plataforma administrada pelo CNJ. Também foi incluído um mandado de prisão falso para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Delgatti é apontado como autor do ato.
Em depoimento à Polícia Federal no dia 27 de julho, Delgatti culpou a deputada diretamente pela invasão do sistema do CNJ e inserção da ordem de prisão fraudulenta contra Moraes. Segundo a PF, o hacker disse que recebeu pagamentos de assessores da deputada, por transferências via Pix, no valor de R$ 13,5 mil como “contraprestação para ficar à disposição da parlamentar”.
Nesta quarta-feira, ele prestou novo depoimento à PF. O advogado Ariovaldo Moreira, que representa o hacker e acompanhou a oitiva, afirmou que Walter Delgatti apresentou aos investigadores provas de que recebeu cerca de R$ 40 mil de Zambelli para invadir “qualquer sistema do Judiciário”.
O pagamento teria sido fracionado, R$ 14 mil em depósitos bancários e o resto em espécie, em São Paulo, segundo o advogado. Uma das provas seria uma conversa com um interlocutor da deputada.
Delgatti ainda afirmou, no depoimento de julho, que encontrou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que lhe perguntou sobre a viabilidade de acessar o código fonte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e invadir a urna eletrônica. Segundo o hacker, “isso não foi adiante, pois o acesso que foi dado pelo TSE foi apenas na sede do Tribunal”.