“Acho que vivemos uma mistura explosiva no pós-1988: desigualdade social persistente, corrupção sistêmica, altos índices de criminalidade”, diz Napolitano. Há uma crença enraizada em parte da população de que a democracia é incapaz de lidar com esses problemas, e que as instituições só atendem às elites econômicas.
Tudo isso converge para o que a historiografia chama de salvacionismo militar, ideia antiga na vida republicana, partilhada por setores militares e civis. Segundo esta crença, só as Forças Armadas estariam livres da corrupção, seriam guiadas por patriotismo desinteressado e teriam competência técnica para lidar com os problemas sociais e econômicos, sem os limites e rituais da democracia.
Cultura democrática
Starling, que é coordenadora da coleção Arquivos da Repressão no Brasil, publicada pela Companhia das Letras, também chama atenção a outro ponto que considera importante nos anos seguintes à redemocratização. Para ela, houve uma preocupação muito grande com a consolidação e preservação das instituições, mas sem que houvesse a criação de uma cultura democrática entre a população. “As instituições não podem se defender sozinhas e não houve preocupação em trabalhar o espírito democrático da sociedade, para que ela agisse nessa defesa.”
E isso está ligado diretamente à educação, defende Napolitano. “A transição democrática não foi seguida de um trabalho ativo de disseminação de uma memória crítica do período autoritário e a defesa institucional da democracia. Boa parte da sociedade não tem acesso ao conhecimento histórico e fica à mercê de informações que chegam pelas redes sociais”, explica.
João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos e organizador de “Os militares e a crise brasileira” (Alameda Editorial), que reúne textos de pesquisadores da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, entre eles um militar da reserva, concorda.
“Na idade em que estão prontos para aprender a diferença entre democracia e ditadura, os jovens não aprendem. Isso e a descrença nas instituições levam a um descrédito no regime democrático. É algo que não acontece só no Brasil, como vimos nos Estados Unidos de Donald Trump. Mas as falhas na educação por aqui tornam o problema ainda maior”, afirma.
Nesse contexto, visões equivocadas sobre o que foi o regime militar também acabam se perpetuando, levando à sua relativização. É o que defende o jornalista e pesquisador Roberto Simon.
“Permanece a ideia de que aqueles foram anos de glórias, quando houve crescimento e não havia corrupção. Mas isso é uma falsificação da verdade histórica. Se na primeira metade do regime o Brasil cresceu, também é verdade que a segunda metade foi um momento de pressão inflacionária, de empobrecimento da população, de aumento da desigualdade. E que houve grandes casos de corrupção, como na construção da usina da Itaipu”, explica.
Ex-diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard, Simon pesquisou o apoio brasileiro ao regime de Augusto Pinochet, no Chile. O trabalho resultou no livro “O Brasil contra a Democracia” (Companhia das Letras), lançado em fevereiro. E o colocou em contato com as dificuldades enfrentadas por quem estuda o período.
“O grande problema tem a ver com os arquivos. Há muito a se fazer no sentido de tornar os acervos de fato acessíveis. E há ainda o problema de destruição documental que houve no Brasil”, conta.
Ainda assim, ele acredita que vivemos um momento de avanço nos estudos da ditadura brasileira, com atenção a diferentes enfoques. O problema, diz, é fazer esse conhecimento chegar ao público. “Em especial em um país pouco educado como o nosso, é necessário encontrar formas de criar pontes entre esse novo conhecimento que está sendo produzido, a educação e o debate político.”
Nesse sentido, Castelo Branco acredita na necessidade de se repensar a formação de oficiais das Forças Armadas no Brasil, o que para ele é fundamental para um novo olhar a respeito da ditadura e para a superação desse capítulo da história, que a cúpula militar segue chamando de revolução.
“É complicado falar em uma só ala militar. O general Edson Pujol é diferente, tem ideias diferentes das do General Augusto Heleno, por exemplo. As Forças Armadas brasileiras têm quadros altamente qualificados, que respeitam a Constituição e a democracia. Mas há uma formação comum, que ainda trata o golpe como um movimento necessário e estimula a ideia de revanchismo”, afirma Castelo Branco