Em seu voto, Gilmar Mendes voltou a criticar a Lava-Jato do Paraná e do Rio de Janeiro. Segundo ele, trata-se do maior escândalo judicial da história brasileira. Gilmar defendeu mudanças na estrutura da Justiça Federal. Ele lembrou o processo que está no STF questionando a criação do juiz de garantias, que dividiria as atribuições concentradas atualmente em apenas um juiz. A medida foi aprovada pelo Congresso, mas suspensa pelo ministro Luiz Fux, do STF, que ainda não levou o caso para análise do plenário da Corte.
— De fato a Justiça Federal tem que ser toda reformulada. E por isso talvez a oportunidade de votarmos o juiz de garantias. Talvez seja a salvação da Justiça Federal, que está vivendo uma imensa crise a partir desse fenômeno de Curitiba — disse Gilmar.
Gilmar ainda afirmou que houve falhas em conter abusos de Moro:
— Infelizmente os órgãos de controle da magistratura nacional falharam em conter os primeiros arroubos de abusos do magistrado.
E também criticou algumas decisões de Moro em que, segundo ele, houve excesso. Citou, por exemplo, a ampliação do uso de prisões preventivas, que serviriam como uma antecipação da pena. Também criticou as prorrogações sucessivas de interceptações telefônicas e grampo em escritório de advocacia.
Segundo Gilmar, Moro tinha um projeto de poder.
— A opção por provocar e não esperar ser provocado garantia que o juiz estava na dianteira de uma narrativa que culminaria na consagração de um verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos Trabalhadores, e em especial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de afastá-lo do jogo eleitoral — afirmou Gilmar.
O ministro lembrou que não chegou ao STF por indicação do PT — ele foi nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardodo (PSDB) — e chegou inclusive a ser apontado como opositor do partido. Dos cinco ministros da Segunda Turma, Gilmar destacou que três deles foram nomeados por presidentes do PT.
— Falo com toda tranquilidade, porque não cheguei aqui, como a ministra Cármen e os ministros Fachin e Lewandowski, pela mão do PT — disse Gilmar, acrescentando: — Não obstante eu sempre soube distinguir o que é ser adversário do que é ser inimigo. E eu tentava dizer isso dos próprios próceres do PT, a democracia exige oposição, adversariedade, mas ela não pode tolerar com um modelo do amigo e inimigo. Não é disso que se cuida. Quem está na oposição hoje pode estar no poder amanhã. Para isso é preciso que ele subsista, e não que seja destruído.
Gilmar também apontou uma combinação prévia entre o juiz e o MPF, responsável pela acusação, para mostrar que Moro foi parcial contra Lula.
— A absoluta contaminação da sentença proferida pelo magistrado resta cristalina quando examinado o histórico de cooperação espúria entre o juiz e o órgão da acusação. Em fevereiro de 2016, quando o reclamante ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia sólida ou suficiente. O procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do Ministério Público, de modo a antecipar a apreciação do magistrado — afirmou Gilmar.
Em um trecho do voto, Mendes afirmou que a interceptação telefônica de escritório de advocacia era típica de regime autoritário. Ao fundo, ouviu-se a voz da ministra Cármen Lúcia concordando:
— Gravíssimo.
Vale lembrar que a ministra já votou neste processo, a favor de Moro. Para ela, o ex-juiz não foi parcial na condução dos processos contra Lula.
Como o julgamento ainda está em andamento, qualquer um dos ministros pode alterar sua posição.
O ministro citou a nomeação de Moro como ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, cargo no qual ficou até abril de 2020.
— Qual país aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito da disputa eleitoral? — questionou Gilmar.
Ao fim de seu voto declarando Moro suspeito de julgar Lula, Gilmar também determinou que o ex-juiz seja condenado a pagar as custas processuais da ação penal do tríplex do Guarujá (SP) "na forma da lei". Mas não citou qual seria o valor exato.
E destacou que a decisão de declarar a suspeição de Moro vale apenas para Lula:
— Por fim, ressalto que a suspeição do julgador se fundamenta em fatos concretos e específicos contra Luiz Inácio Lula da Silva, em razão de interesses políticos próprios do ex-juiz Sergio Moro. Assim, a suspeição declarada não é aqui estendida a outros processos ou réus da denominada Operação Lava Jato.
Gilmar Mendes votou pela anulação do processo do triplex desde o início. Ele esclareceu que a investigação pode ser iniciada novamente “com julgador efetivamente imparcial”.
— Aqui vamos muito além de qualquer limite. Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites. Não podemos aceitar que ocorra a desvirtuação do próprio Estado de Direito. Não podemos aceitar que uma pena seja imposta pelo Estado de um modo ilegítimo. Não podemos aceitar que o Estado viole as suas próprias regras — disse Mendes.
O ministro Ricardo Lewandowsi também votou suspeição de Moro. Ele é relator no STF do processo em que a defesa de Lula pediu acesso a mensagens apreendidas no âmbito da Operação Spoofing, da Polícia Federal. Em julho de 2019, a operação prendeu hackers suspeitos de invadir celulares de Moro e de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Para os advogados do ex-presidente, as mensagens revelam uma atuação coordenada entre o ex-juiz e procuradores em vários processos, inclusive naqueles de Lula, e mostram que houve parcialidade nos processos. Moro não confirma a autenticidade dos diálogos, mas também não nega.
— O exame pericial dos meios eletrônicos, à falta de quaisquer indícios de que tenham sido manipulados pelos supostos hackers, confere plena credibilidade à existência das conversas mantidas pelo ex-juiz Serio Moro com os procuradores para combinar estratégias processuais que acabaram por resultar na condenação do paciente [Lula] — disse Lewandowski.
Lewandowski também ressaltou que invasão de escritório de advocacia num Estado democrático de direito é inaceitável. E afirmou que houve abuso de poder.
— Restou escancarada uma devida confusão entre as atribuições de julgar e acusar por parte do então magistrado Sergio Moro. E o pior, confusão esta motivada por razões mais do que espúrias. Sim, porque todos os desdobramentos processuais, concomitantes e posteriores, levam ao inexorável desenlace no sentido de que o ex-juiz extrapolou a não mais poder os limites da função jurisdicional da qual estava investido, neutra e imparcial por definição, ao assumir o papel de verdadeiro coordenador dos órgãos de investigação e acusação, em paralelo à função de julgador. Ficou patenteado o abuso de poder.
Em seu pedido de vista, o ministro Kassio Nunes Marques ressaltou que seus colegas tiveram muitos meses para pensar o tema, enquanto ele, que tomou posse no STF em novembro passado, ainda não teve tempo suficiente para analisar o assunto.