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17/12/2019 às 11h08min - Atualizada em 17/12/2019 às 11h08min

Crises econômicas elevam o número de fiéis evangélicos

Estudo relaciona pela primeira vez economia e fé, com seus impactos na política

SÃO PAULO
CRISES ECONÔMICAS TÊM IMPULSIONADO A EXPANSÃO DA POPULAÇÃO EVANGÉLICA NO BRASIL, COM REFLEXOS SOBRE A BALANÇA POLÍTICA, POIS ESSE MOVIMENTO FAVORECE A ELEIÇÃO DE CANDIDATOS LIGADOS A FÉ.

 

Essa é a conclusão de um estudo dos economistas Francisco Costa, Angelo Marcantonio e Rudi Rocha, que, pela primeira vez, aferiu o impacto da abertura comercial dos anos 1990 em diferentes regiões do país sobre as preferências religiosas da população.

A hipótese dos autores é que os brasileiros adversamente atingidos por crises se tornam mais suscetíveis à forte retórica religiosa de cura dos problemas pela fé apresentada pelas religiões evangélicas.

Daí a escolha de incluir o “Pare de sofrer”, lema da Igreja Universal do Reino de Deus, já no título do artigo em inglês (“Stop Suffering! Economic Downturns and Pentecostal Upsurge”), que está sendo avaliado para publicação em um periódico estrangeiro.

O aumento de desemprego nas áreas afetadas pelo choque econômico explicam um crescimento de cerca de 10% no número de addeptos a denominações como as pentecostais e neopentecostais, entre 1991 e 2000.

Isso representou a adição de 1,3 milhão novos evangélicos apenas naquela década.

 

Os pesquisadores conseguiram mensurar a queda salarial explicada apenas pelo choque da abertura comercial ao comparar o que ocorreu com a renda e o desemprego em diferentes regiões do país, descontando o impacto de fatores como educação, gênero e idade entre 1991 e 2000.

A partir da conta, calcularam o quanto a redução de rendimento afetava a expansão da população evangélica.

Sua conclusão foi que, para cada 1% de queda esperada da renda, a adesão ao pentecostalismo cresceu 0,8%, nos anos 1990. Em termos estatísticos, é um efeito significativo.

A pesquisa mostra ainda que parte dos evangélicos convertidos pela crise é dissidente do catolicismo, que,embora ainda seja a religião dominante no Brasil, vem encolhendo. 

Segundo o trabalho, o impacto religioso da abertura comercial nas regiões que perderam —pelo menos, temporariamente— competitividade não se circunscreveu aos anos subsequentes à primeira metade da década 1990, quando a tarifa média de importação caiu quase 60%.

Os resultados indicam que o fenômeno de adesão ao pentecostalismo persistiu na década seguinte, ainda que em ritmo mais lento.

Eles revelam ainda que o movimento de conversão foi acompanhado por uma mudança de preferência eleitoral que favoreceu políticos associados a religião evangélica

Ao contrário do ritmo de conversão de novos adeptos associada ao choque de tarifas —que, embora tenha persistido, perdeu fôlego—, o impulso à eleição de candidatos pentecostais continuou ganhando força.

Segundo os autores, cada 1% de queda provável na renda associada à abertura comercial resultou em um aumento de 2% na parcela dos votos recebidos por esses políticos no longo prazo. “O efeito de aumento da população evangélica continuou entre 2000 e 2010, embora menos robusto. Mas, na política, ele vem aumentando. Parece um fenômeno que ganhou vida própria, após um choque”, diz Rocha, que é professor da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

Em uma terceira linha de investigação, a pesquisa revela que a escolha de políticos ligados ao pentecoalismo tem levado a um aumento da proposição de leis relacionadas a temas caros a essas religiões, como oposição ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Para Costa, que é professor da FGV EPGE (Escola de Economia e Finanças da FGV), as conclusões relacionadas à esfera política chamam a atenção para um risco sobre o qual o país precisa refletir:

“Mesmo em estados democráticos laicos, como o Brasil, esses choques econômicos abrem espaço para o florescimento de grupos religiosos partidários que podem levar ao retrocesso de valores democráticos que possibilitaram sua ascensão”.

Para os dois economistas, é possível inferir que outros eventos recessivos das últimas décadas no Brasil tenham contribuído tanto para alimentar o contínuo crescimento da população evangélica quanto para alavancar sua representação política.

“O que descobrimos ao fazer essa pesquisa parece bater muito com o voto recente no [presidente Jair] Bolsonaro”, diz Rocha.

O capitão reformado foi eleito em 2018 com forte apoio da bancada evangélica, em um período em que o Brasil vivia uma lenta recuperação econômica após uma das recessões mais severas da história.

A percepção de que a necessidade de apoio espiritual e atenção individual aumenta em momentos de crise pode estar contribuindo para a criação de novas igrejas.

Foi o que motivou Gilson Alves, por exemplo, a criar a Igreja Apostólica Livres para Adorar, de orientação neopentecostal, no bairro do Capão Redondo, em São Paulo, há quatro anos. “Vi que era mais fácil acolher as pessoas em um ministério pequeno”, diz.

Antes disso, Alves —conhecido como bispo Gilson— foi ligado às denominações Paz e Vida e Mundial.

Além dos 40 frequentadores assíduos, os cultos no salão instalado no primeiro andar de sua própria casa recebem outros visitantes ocasionais, como um casal de venezuelanos refugiados que esteve na igreja recentemente.
 

“Somos procurados por pessoas com problemas como alcoolismo, drogas e dificuldades financeiras”, afirma bispo Gilson, que, além de administrar a igreja, cuida dos três filhos pequenos, enquanto sua mulher trabalha como empregada doméstica.

 

RELIGIÃO AVANÇA NO MUNDO POR OFERECER UMA REDE DE PROTEÇÃO

O fenômeno de expansão de religiões evangélicas não é exclusividade do Brasil. Pesquisas mostram que essa é umadas demoninações cristãs que mais crescem no mundo.

No país, ministérios como o fundado por bispo Gilson fazem parte de uma terceira onda de renovação do movimento evangélico, iniciada nos anos 1970. Rocha, Costa e Marcantonio ressaltam que essas igrejas se destacam por sua interpretação mais literal dos textos sagrados.

Segundo especialistas, a rede de apoio criada pelos evangélicos e a abordagem feita nos cultos sobre os problemas do dia a dia ajudam a explicar a atração de novos adeptos em crises econômicas.

“Faz muito sentido [a conclusão do estudo]. Os brasileiros de posições mais conservadoras se sentem muito isolados nos centros urbanos. Os evangélicos são uma exceção porque têm a igreja”, diz Breno Barlach, gerente de projetos da consultoria Plano CDE.

Segundo ele, que coordenou um estudo feito neste ano sobre o perfil dos conservadores brasileiros, os templos se tornaram tanto um espaço de convivência como de troca.

 “É ali que o pequeno empreendedor constrói sua rede de contatos, que a mulher, deslocada do mercado de trabalho, se torna vendedora”, afirma.

A participação nessa rede —que os estudiosos do tema chamam de clube— exige uma contrapartida elevada dos participantes. “Você não pode se dizer evangélico se não frequenta assiduamente os cultos”, diz Barlach.

Mas, como ressalta Costa, da FGV, o custo de oportunidade dessa escolha despenca durante crises econômicas.


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