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28/09/2019 às 07h18min - Atualizada em 28/09/2019 às 07h18min

Fala de Janot provoca ofensiva do STF e reação das classes jurídica e política

Folha de S. Paulo
Foto: Reprodução
As declarações do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot sobre sua intenção de matar o ministro Gilmar Mendes em 2017, provocaram reações nas classes política e jurídica e uma ofensiva do STF (Supremo Tribunal Federal) contra o antigo chefe do Ministério Público Federal.

Um dia após Janot declarar intenção de assassinar Gilmar, o ministro Alexandre de Moraes ordenou que a Polícia Federal realizasse uma ação de busca e apreensão nos endereços ligados ao ex-PGR, em Brasília, determinou a imediata suspensão de qualquer porte de arma em seu nome, além de uma ordem para que o mantivesse a uma distância mínima de 200 metros de qualquer ministro, como também da sede do tribunal.

As decisões de Moraes foram tomadas no âmbito do controverso inquérito das fakes news, que investiga ameaças a integrantes do STF. A investigação que foi aberta em março pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli, e motivou críticas na ocasião, inclusive da então PGR Raquel Dodge, para quem ele desrespeitou o processo legal ao abrir inquérito de ofício, sem ser provocado por outro órgão.

Janot disse na quinta (26) à Folha e a outros veículos, que entrou no Supremo em 2017, armado com uma pistola, com a intenção de matar Gilmar Mendes por causa de insinuações que ele teria feito sobre a sua filha, e que, em seguida, pretendia suicidar.

O ex-procurador narra o episódio num livro de memórias que está lançando neste mês - sem nomear Gilmar.

"Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha", diz Janot no livro.


"Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: Não".

O ministro do STF chamou Janot nesta sexta de "potencial facínora" e defendeu mudanças no sistema de escolha de ocupantes da PGR. Gilmar ainda atribuiu ao ex-procurador-geral um "grave problema psiquiátrico" e sustentou que isso atinge todas as medidas que ele apresentou e foram deferidas pela corte.

Janot exerceu o cargo inicialmente de 2013 a 2015 e, em seguida, foi reconduzido para mais um mandato de dois anos. Nas duas ocasiões, foi o primeiro colocado na lista tríplice formada em eleições de sua categoria. Foi sabatinado e aprovado pelo Senado, sendo, na sequência, nomeado pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Na operação de busca e apreensão da PF, no fim da tarde, agentes foram a um apartamento e a um escritório ligados a Janot e apreenderam uma arma, um tablet e um celular. O ex-PGR não quis prestar depoimento. A defesa dele não foi localizada pela Folha.

Para justificar sua determinação, dada após pedido de providências feito por Gilmar, Moraes disse que o próprio Janot "narra o ardiloso plano por ele arquitetado".

"O quadro revelado é gravíssimo, pois as entrevistas concedidas sugerem que aqueles que não concordem com decisões proferidas pelos ministros desta corte devem resolver essas pendências usando de violência, armas de fogo e, até, com a prática de delitos contra a vida", escreveu Moraes.


O ministro do STF argumentou, ainda, estarem presentes os requisitos para busca e apreensão em razão de "indícios de autoria e materialidade criminosas" que "sinalizam a necessidade da medida para verificar eventual existência de planejamento de novos atos atentatórios" a Gilmar Mendes e às dependências do Supremo.

As medidas, segundo o ministro, foram tomadas para evitar a prática de novas infrações penais e "preservar a integridade física e psicológica dos ministros, advogados, serventuários da Justiça e do público em geral que diariamente frequentam esta corte".

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Fábio George Cruz da Nóbrega, criticou os mandados determinados pelo STF contra Janot.

"Isso é um inquérito [das fakes news] que está aberto já há algum tempo. A ARPR já impetrou habeas corpus e mandado de segurança. E a gente apontou cinco irregularidades graves da investigação", disse.

"Desta forma, ao mesmo tempo que se reconhece e se faz a crítica de qualquer declaração do ex-procurador-geral da República no sentido de se cogitar de utilizar a violência, isso não pode servir de pretexto para justificar atos ilegais, como a expedição da busca e apreensão, e muito menos para permitir declarações de ocasião que visem enfraquecer as instituições", afirmou.

O Conselho Nacional do Ministério Público recebeu nesta sexta o requerimento do subprocurador Moacir Guimarães Morais Filho para que seja aberta uma investigação contra Janot no órgão - que poderia culminar com a cassação de sua aposentadoria.

O Estatuto do Desarmamento dá a integrantes e servidores do Ministério Público Federal o direito de portar armas.

O Supremo, em nota, informou que adota procedimentos "não apenas de segurança e monitoramento, mas também de inteligência, de modo a assegurar a proteção de seus ministros, de seus servidores, de todos os que frequentam as sedes da corte e de seu patrimônio".

O relacionamento entre ele e Gilmar foi marcado por embates jurídicos, em especial sobre a condução de casos da Operação Lava Jato.

Ainda na manhã de sexta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse, 
em tom irônico, que esperava que a Polícia Federal já tivesse retirado o porte de arma de Janot. 

"Pelo menos isso, para a gente ficar um pouco mais tranquilo", disse ele, para quem a revelação pode até afetar os investimentos privados no país.

"Cada dia é uma novidade. Hoje descobrimos que o procurador-geral queria matar um ministro do Supremo. Quem é que vai querer investir num país desse?", disse.

Em nota, o ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou que Janot revelou-se um "insano homicida-suicida", além de ser "mentiroso costumaz".

Desafetos já tiveram relação de amizade

Rodrigo Janot e Gilmar Mendes já chegaram a manter relação de proximidade. Os dois foram aprovados no mesmo concurso para a Procuradoria e tomaram posse em outubro de 1984, segundo relato feito por Janot.

Dúvidas sobre a conduta de Janot

O ex-procurador Rodrigo Janot cometeu algum crime ao planejar um homicídio, conforme relatou? Não. O Código Penal brasileiro e a jurisprudência dos tribunais não criminalizam a fase preparatória de um ilícito. Portanto, planejar um homicídio nos termos descritos por Janot, mas sem tentá-lo ou cometê-lo, não é crime. Se Janot tivesse tentado atingir ou efetivamente ferido o ministro, aí sim poderia ser acusado.

Janot poderia andar armado? Sim. O Estatuto do Desarmamento dá a integrantes e servidores do MPF (Ministério Público Federal) o direito de portar armas.

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