O Congresso Nacional impôs hoje uma derrota ao governo Jair Bolsonaro (PSL) e decidiu pela derrubada de 18 vetos presidenciais a dispositivos do projeto de lei do abuso de autoridade. Outros 15 foram mantidos. Parlamentares questionaram a votação e tentaram modificar o resultado, sem sucesso. Um dos pontos mais polêmicos é o endurecimento das punições a agentes do estado, como magistrados, membros do Ministério Público e policiais, que cometerem excessos. Retorna ao texto da lei, por exemplo, o dispositivo que pune juízes que decretarem ordens de prisão "em desconformidade com a lei".
Se um magistrado for condenado por abuso pode ser aplicada pena de 1 a 4 anos de detenção e multa. A mesma sentença se estende aos que deixarem de analisar uma prisão ilegal, substituir a prisão preventiva por medida cautelar e de conceder liberdade provisória ou habeas corpus "quando manifestamente cabível".
Além disso, os crimes tipificados como abuso de autoridade serão passíveis de "ação penal pública incondicionada", o que permite que a denúncia seja apresentada mesmo sem manifestação expressa da vítima. O texto autoriza ainda a abertura de uma ação privada, caso o Ministério Público não se manifeste em tempo hábil.
Por outro lado, foi mantido o veto ao item que estabelecia pena de 6 meses a 2 anos de detenção e multa em casos de agentes que submetem pessoas sob custódia (preso, internado ou apreendido) ao uso de algemas nas hipóteses especificadas —quando não há resistência à ação repressiva ou tentativa de fuga, por exemplo.
O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), divulgou o placar por volta de 19h45 no painel eletrônico. O anúncio foi recebido com indignação por deputados do Partido Novo, que reivindicaram votação em separado dos itens do projeto, os chamados destaques.
Até a divulgação no painel, havia um pedido para que os 33 vetos fossem destacados. Ou seja, cada trecho seria discutido e apreciado individualmente, com voto nominal. Depois do anúncio de que 18 votos haviam sido derrubados, o requerimento foi retirado e não houve destaques. A liderança do Novo acusou Alcolumbre de interferir no resultado.
O chefe do Congresso tentou minimizar a polêmica e, ao fim dos trabalhos, disse à imprensa que a decisão representou um "fortalecimento da democracia". "É um resultado democrático. Votou, sim, quem queria manter os vetos, e não quem queria derrubar."
Além de simbolizar uma derrota para o governo, a derrubada dos vetos é um revés pessoal para o ex-juiz e ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que pleiteou com o presidente da República, em nome de magistrados e promotores de todo o país, as supressões no texto aprovado pelo Congresso.
Apoiadores da Operação Lava Jato, da qual Moro esteve à frente antes de virar ministro, reclamam que a lei do abuso de autoridade pode limitar o poder de investigação do Ministério Público e acuar juízes, sobretudo em processos de corrupção. O argumento é contestado por grande parte do Congresso, em especial por políticos que já foram investigados e/ou denunciados.
A sessão conjunta de hoje foi convocada de forma inesperada por Alcolumbre, que ficou irritado com a operação da Polícia Federal que teve como alvo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Com autorização do STF (Supremo Tribunal Federal), os agentes da PF cumpriram mandado de busca e apreensão no gabinete do parlamentar.
Solidário a Bezerra, Alcolumbre decidiu por os vetos em análise e deliberação como uma forma de responder ao que considerou ser um ato arbitrário por parte do Supremo e da PF. Paralelamente, o ato também representa um recado a Bolsonaro e Moro e uma demonstração de força do Parlamento em meio aos atritos com o Executivo e o Judiciário.
Punição por constrangimento de presos
Com a derrubada dos vetos, retorna ao texto o trecho que pune a autoridade que constranger presos "mediante violência, grave ameaça, ou redução de sua capacidade de resistência" para "produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro".
O projeto proíbe ainda que a autoridade judicial negue ao interessado ou a seu advogado acesso a investigações, termos, inquéritos ou quaisquer procedimentos "investigatório de infração penal, civil ou administrativa". Nesse caso, a pena seria de seis meses a dois anos, além de multa. Outro item retomado pelo Parlamento torna crime o fato de um advogado ter sua prerrogativa violada ou ser impedido de conversar reservadamente com a pessoa assistida.