A notificação dos casos de automutilação e suicídio já faz parte da rotina no Hospital Geral do Estado (HGE), antes mesmo da criação da Lei Federal 13.819, sancionada no último dia 26 de abril. De janeiro a abril deste ano, 131 casos de tentativa de suicídio chegaram ao maior hospital público de Alagoas. Todos puderam receber a atenção de profissionais de várias áreas – como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Quando necessário, o hospital também leva o caso a entidades representativas, como o Conselho Tutelar, o Conselho do Idoso e a Polícia Civil.
Com a instituição da Lei, que criou a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, os casos devem ser notificados de forma compulsória pelos estabelecimentos de saúde. O texto aprovado pela Câmara e Senado entende que a violência autoprovocada pode ser caracterizada pelo suicídio consumado, pela tentativa de suicídio e pelo ato de automutilação, com ou sem idealização suicida. Nos casos que envolverem criança ou adolescente, a lei reafirma a necessidade de acionar o Conselho Tutelar. A notificação deve ser compulsória e de caráter sigiloso.
“Quando as equipes nas portas de entrada identificam o caso, acionam os profissionais necessários, como assistente social e psicólogo. O assistente social intervém para garantir os direitos da vítima, podendo acionar o Conselho Tutelar, o Conselho do Idoso e até a própria polícia. Já o psicólogo avalia a situação, acolhe a família e encaminha ou inicia o tratamento psicológico”, explicou Ticiana Moura, psicóloga do HGE.
Segundo ela, a automutilação é tida para algumas pessoas como uma válvula de escape da dor emocional, ou uma forma de preencher um vazio. “As pessoas têm maneiras diferentes para lidar com a angústia e a dor emocional. Problema que para uns é facilmente resolvido, mas para outros pode ser como a pior sensação que já sentiram. É mais fácil se automutilar do que enfrentar a dor psíquica, sem se dar conta de que tal ato não irá resolver os problemas ou fazer com que os sentimentos ruins acabem”, explicou.
Ainda conforme a psicóloga, as causas são diversas, desde traumas decorrentes da perda de ente querido, até abuso sexual e emocional. “Todos os casos envolvem sintomas intensos, como ansiedade, tristeza, estresse, sentimentos de culpa; por vezes encontramos causas sociais, como problemas com a sexualidade, bullying, dificuldade de relacionamento e pensamentos negativos. Pode acontecer em qualquer idade, porém a maior incidência é na adolescência”, acrescentou.
Devido à necessidade de sigilo, a profissional somente pôde se limitar a comentar histórias sem identificá-las. “Todo dia chega alguém que pôs propositalmente sua saúde em risco. Por exemplo, semana passada chegou um homem de 18 anos que buscou no suicídio a fuga do bullying que estava sofrendo na escola. Antes de por o cinto no pescoço, ele deixou uma carta para ser lida. Por isso é muito importante que os pais, professores, amigos fiquem atentos aos comportamentos, pois geralmente quem comete esses atos demonstram raiva, baixa autoestima, apatia, isolamento social e desesperança”, pontuou.
Como método de auxílio, a psicóloga indica o diálogo, nunca enxergando a mudança de comportamento como “frescura” ou algo passageiro. Também reforça a necessidade de acompanhamento profissional nos casos em que o diálogo não está sendo suficiente, quando o psicólogo poderá entrar com a psicoterapia e, em alguns casos, o psiquiatra intervindo com medicações.
“É importante buscar um psicólogo. A população pode encontrar atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Basta ir a uma unidade de saúde da Atenção Básica, que ao perceber a necessidade de um tratamento especializado, encaminha para o Caps. No Centro, a equipe multidisciplinar irá avaliar o assistido e construirá um projeto terapêutico. A partir daí inicia-se o acompanhamento, onde o usuário passa a receber apoio psicossocial durante atividades terapêuticas, culturais e sociais, objetivando sua reabilitação psicossocial”, salientou.
“E em situação de crise, basta acionar o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] que os socorristas estão preparados para agir também nesses casos”, disse Ticiana Moura, ao acrescentar que, atualmente, além dos Caps espalhados pelo Estado, os alagoanos ainda contam com uma Unidade de Acolhimento na cidade Campo Alegre (oferece cuidados contínuos de saúde, 24h, para pessoas com necessidade decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório) e Residências Terapêuticas (existem sete na capital). Todos monitorados pela Supervisão de Atenção Psicossocial, ligada a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).